quinta-feira, março 05, 2009

As palavras (I)

As palavras fogem de mim como o Diabo, dizem, da cruz. As palavras aparecem-me à frente vestidas de oiro e marfim, esmeraldas e rubis. Para desaparecerem antes de as conseguir perceber. Antes de as conseguir fotografar e de as poder chamar minhas.

As palavras, que já não sei se são doces, se amargas. As palavras onde já não me sei povoar. As palavras ocas como as paredes falsas dos escritórios. As palavras cruéis que me fazem vagabundo dos dias, caminhante num deserto de silêncio. As palavras sozinhas. Solteiras. Sensaboronas. Suspensas num cinzento assustado.

As palavras para onde quero correr de braços abertos. Prados de palavras de todas as cores, cheiros e formas. As palavras a serem a sombra de uma árvore que desejo com a força visceral de ser um Homem. As palavras que são rios a correr na distância do ouvido, pássaros a inundar os campos de felicidade.

As palavras. Sem saber que as palavras não são mais do que letras e sons esquecidos na poeira de um caixão fechado.


[Num dia qualquer do passado...]

quarta-feira, março 04, 2009

Ausência

Sem ti, a solidão fria dos montes aperta-me o coração contra o peito. Como se, a qualquer momento, se fosse esmagar, ou antes, rebentar como um balão vermelho e palpitante. Sem ti custa tudo. Até respirar se me tornou uma tarefa hercúlea. De modo que, agora, não se pode dizer que respiro, mas antes que arquejo pelos dias, como quem se arrasta, nú, sobre um caminho de silvas e tojos. Não percebo a força imensa que o amor carrega, escondida por baixo da capa de liricismo. A força que acende o mundo todo, dando as mais belas cores aos montes, aos rios, às pedras, aos vales, às árvores, ao mar e ao céu. A mesma força que pode, quando o amor acaba - ou se perde, ou se esvai, ou se adia, ou se apaga - pintar, de um só fôlego, todo o Universo de um negro mais fundo que a noite dos tempos, antes de algo ter existido.

O amor é a força mais poderosa que existe. E é tudo o que direi, pois em meu redor, o frio da noite espalhou-se já pelos montes e, cá dentro, o coração bate, pequenino, de encontro à muralha pétrea das costelas.



[2007]

segunda-feira, março 02, 2009

Lembranças...

Às vezes apetece-me olhar para as coisas e sorrir. Sorrir muito com a cara toda. Como quando era criança e o mundo era feito de desenhos animados.
Apetece-me sorrir como se saltitasse pelas margens do Mississipi com o Tom e o Huck. Sorrir como se ouvisse as histórias do Panda Tao-Tao contadas pela mamã Panda. Sorrir como se sentisse as folhas caírem sobre mim, enquanto andava de carroça com a Ana dos Cabelos Ruivos. Sorrir como se entrasse no Jardim Secreto. Sorrir como se tivesse um cavalinho azul e uma amiga com cabelo cor-de-rosa. Sorrir como se fosse um habitante da Floresta Verde.

Às vezes apetece-me olhar para as coisas e sorrir. E com isso... esquecer.


[2007 ou 2008...algures por aí...]