sexta-feira, setembro 07, 2012

Esqueci-me

Não sei se ainda tenho as palavras cá dentro. Ou qualquer coisa, na verdade. Ultimamente tenho de me esforçar bastante para conseguir o que, dantes, parecia tão simples. Sinto-me vazio. Nem é bem vazio. É desconexo. Desligado. Como se me tivessem tirado uma pecinha qualquer. Minúscula mas, aparentemente, não insignificante. Crucial.

As ideias e as frases saem-me aos repelões. Forçadas. Insípidas. Deslavadas e descoloridas. Sem força. Sem emoção. E ideias e frases sem emoção são apenas palavras. Letras. Unidas umas às outras apenas porque sim. Como aqueles familiares mais afastados (ou de quem fomos ficando afastados)a quem estamos ligados só porque sim. E com quem nos encontramos no Natal. E num ou noutro aniversário.

É preciso algo mais. Letras postas em fila indiana, apenas, é pouco. Muito pouco. Falta o magnetismo. É preciso que as palavras se procurem. Se desejem. Se necessitem umas às outras. É preciso que sejam perfeitas. Que sejam únicas. Que, postas lado a lado, ninguém as consiga sequer imaginar separadas. É preciso que sejam essenciais. É preciso que, umas sem as outras, sejam nada. E que juntas sejam tudo.

Mas não sei. Não tenho força. Creio que nunca mais vou conseguir. E, por isso, resta-me ir enfileirando letras. Palavras. Frases. Na parva esperança que um dia elas ganhem - Quem sabe? - vontade própria. E se busquem umas às outras pelo texto fora. Que gritem bem alto os nomes das palavras que lhes faltam.

Até eu as ouvir. Até eu me lembrar.

quinta-feira, setembro 06, 2012

Óculos de sol

Não sei. Nem quero saber. O olhar longe, perdido entre o horizonte (Barcos. Tons de azul. Calor). Nem quero olhar. Nem quero ver-te aí. Ao meu lado. Inteirinha saída da minha imaginação. Sem tirar nem pôr. Criada não à minha imagem. Mas à imagem das imagens dentro de mim. Toda tu ainda coberta do sangue e dos restos da placenta dos meus pensamentos. Dos meus desejos. Dos meus sonhos.

Mesmo assim, não quero olhar. Por mim desaparecias. Agora. Agorinha. Voltavas para dentro de mim. Para dentro do sótão escuro e reconfortante que trago comigo. Nem quero saber se estás aí ou não. É inútil. Inútil como uma tarde de fim de Verão à beira-mar. Se me concentrar, consigo. Se me concentrar desvaneces-te no ar. Eu sei que sim. Sei que não existes. Sei que. No fundo. Tudo não passa de um delírio causado pelo calor e pelo Sol a mais (a minha avó e a minha mãe a dizerem-me que "na moleirinha"). És impossível. Irreal como uma miragem no deserto.

Fecho os olhos com força. Hei-de conseguir. A claridade alaranjada do Sol a trespassar-me as pálpebras. A lembrar-me que não sou cego.

( Em pequeno a ideia de que se fechasse os olhos ficava como um cego. "Via" como um cego. O choque quando um dia percebi que a luz entra. A luz passa. A luz atravessa as pálpebras e chega à retina. Mesmo de olhos fechados. Mesmo usando muita força.)

(...)

Não consigo. Nem precisei de olhar de soslaio para o lado para saber que continuas aqui. Nem precisei de abrir os olhos. Continuo a sentir-te. Através dos olhos fechados, a tua luz chega até mim. E é forte. Intensa. Ironicamente, quase me cega.

De repente, dá-me vontade de sorrir. Sorrio. Ainda de olhos fechados. Imagino o teu sorriso e o teu olhar. Viro-me para o lado e olho para ti. À espera de os ver desenhados no teu rosto tal como se o desenhador tivesse sido eu. Ohhhh...

Mas são diferentes. És diferente. Nítida. Possível. Real.

quarta-feira, setembro 05, 2012

V

Do alto dos meus olhos e dos meus dias, o teu corpo era um abismo sem chão. Um vazio inescrutável que me incitava a saltar. Um vórtice para onde a vertigem me empurrava. Uma viagem sem volta. Um voo de ave sem asas.