sexta-feira, outubro 14, 2005

Nada de novo

Nada de novo - 17/5/2000

Que trouxemos de novo?
Que revolução mirabolante provocámos?
Em que diferimos do nosso povo?
Que obras de arte criámos?

Que produzimos de original?
Que novas ideias despertámos?
Em que diferimos do normal?
Que dilemas da vida solucionámos?

Que quisemos dizer?
Quando nos faltaram as palavras
E não nos conseguiram entender.

Em que nos viemos a tornar?
Quando nos perdemos dentro de nós
E não nos deixámos encontrar...

segunda-feira, outubro 10, 2005

O silêncio das coisas...

A vida é feita de silêncios. De silêncios. Não consigo pensar em melhor coisa para se dizer.

Quanto tudo o resto cansa. Quando tudo magoa. Quando tudo o que faz doer cresce sobre nós como uma sombra do medo. Que nos impele para o canto mais escuro da vida a tiritar de frio de encontro aos vazios de morte dentro de nós. Nestas alturas prefiro o silêncio.

Quando tudo é Sol. E vida. E saltamos dentro de nós como quem vê o mundo pela primeira vez. Quando andamos nas ruas da cidade como quem anda pelos campos verdejantes da infância. Quando sorrimos. E o mundo inteiro foi feito para nós. Só para nós. Ainda nestas alturas. O melhor que tenho a dizer é o silêncio quente dos lábios.

O silêncio completo como uma gota de água. Esfera perfeita. Suspensa no ar. A preto e branco. Onde vemos reflectido o mundo todo. E nós de fora da esfera perfeita a olhar para ela. O silêncio completo como uma gota de água. Suspensa no ar. Como se o tempo se rasgasse e pudessemos recolher imagens soltas na palma da mão. Como se o Universo inteiro cristalizasse. Quebrar o silêncio com palavras profanas é o estilhaçar de vidro da gota a tocar o chão. É o preto e branco desfazer-se. E o mundo voltar a girar. E uma multidão de estranhos rodear-nos. A invadir os nossos ouvidos com ruídos incompreensíveis. E a destruir a magia.

O silêncio prenhe. Que traz dentro de si todas as palavras de amor do mundo. O silêncio com que olhamos a pessoa amada. O silêncio com que nos damos as mãos e que aquece o coração como chocolate quente no Inverno. Quando a respiração no frio sabe tão bem.

O silêncio primordial. Pai e mãe de todas as coisas que ainda estão por dizer. O silêncio criador dos artistas. Dos sonhadores. Dos loucos. O silêncio redentor quando já não resta nada. E somos abandonados numa luta mortal contra os fantasmas dentro de nós.

O silêncio de uma paisagem de Trás-os-Montes. O silêncio das montanhas. Das fragas. Dos montes. Das veredas. Das fontes. Dos vales. O silêncio quente da Terra. Das gentes. O silêncio de uma chaminé a anunciar uma família feliz lá dentro. O silêncio dos campos acabados de lavrar. Do folar a sair do forno na Sexta-Feira Santa. O silêncio da procissão a sair da Igreja e a percorrer a aldeia em dias de festa. O silêncio do fim de tarde. Quando o Sol se espreguiça no Horizonte. Por sobre longes que não posso crer que existam. Que são belos demais para existirem.

(Que não me posso lembrar que existem. Que me faz doer saber que existem. E eu longe deles não só pelas paredes e pelas janelas e pelas portas que nos separam. Mas pelos anos. E pela felicidade de ter sido criança lá. E pela felicidade de todos os que me ensinaram a ser quem sou terem visto os pôres-do-Sol a meu lado. E pela infelicidade de. Agora. Hoje. Neste quarto cheio de mim e mais nada. Quase tudo. Que me prendia aos encantos inesquecíveis da infância nesses sítios. Ter desaparecido. E eu ser impotente para trazer a mim e ao meu abraço. Tudo aquilo. Vocês.)

O silêncio dos meus passos para trás e para a frente em cima do muro estreitinho do caminho. A espreitar o Sol a desaparecer ao fundo por cima da serra. O silêncio do sino da igreja a repicar bem alto nas distância ( Que não se pode medir. E por isso é linda. Linda). O silêncio da árvore grande no fundo do quintal. Onde lá em cima. Pendurada nos ramos fortes. Uma bicicleta vermelha que foi do meu pai e dos irmãos antes dele. O silêncio do tanque de lavar a roupa ( Um tanque grande. Não desses de trazer por casa). Onde tomei banho por vezes. O silêncio doloroso do tanque de lavar a roupa. Agora sem ninguém a lavá-la. Agora sem roupa. Agora sem água. Agora já nada a não ser no silêncio da minha memória. O silêncio de tudo dentro de mim. O silêncio que agora me fere. E me impede de continuar a resgatar do fundo do baú. Os retalhos do que sou. Do que sou.

Não consigo mais. Não dá. Dói. Por agora. Antes que a esfera perfeita se quebre. E eu me desfaça em mil pedaços de vidro partido...

O silêncio.

domingo, outubro 09, 2005

O amor é isto...

Um dia hei-de ser criança. E hei-de ter ovelhas para pastorear. A minha mãe há-de preparar-me o farnel com amor. Mesmo que uma côdea dura e pão. Não faz mal. Tudo me saberá a mel. Porque será mel o que me há-de apetecer.

Hei-de ter um cajado e um cão. Um cão chamado Leão. Um cãozinho chamado Leão. E os montes serão o meu recreio. Desde o amanhecer ao pôr-do-Sol.

Um dia. Eu sei que hei-de ter uma flauta. Feita pelo meu pai de um pedaço de árvore que a Terra há-de arrancar de si mesma. E hei-de encostar-me à sombra de uma árvore. De uma árvore que hei-de preferir. A embalar o vento com o som que me sairá. Das mãos.

Hei-de. Um dia. Guardar rebanhos como quem tem sonhos por guardar. E por alimentar. E por proteger. Até que venha um dia. Até que venha o dia. Em que. Una os meus sonhos que hão-de ser ovelhas a pastar. Aos sonhos de uma menina. Que há-de ser pastora de ovelhas. Como eu.

E os nossos sonhos amadureçam. E se façam dias. Uns atrás dos outros. Sem que nunca. Nunca. Deixemos de subir os montes. De mão dada e cajado nas mãos livres. Com dois cãezinhos lado a lado. A ensinar aos rebanhos a liberdade de se amar alguém.


Roma, 21/09/2005