sexta-feira, julho 08, 2005

As palavras queimam

As palavras queimam. Queima tudo. Hoje a minha alma é um incêndio. Que arde sem poder ser circunscrito, extinto, esquecido. Não quero mais nada senão o silêncio que fica no vazio que se quebra entre as palavras que não quero dizer. Mil segredos ditos em surdina por entre as entoações de uma palavra, por entre a fonética estupidamente limitada do ser humano. Tudo o que vamos deixando escapar dia-a-dia. Que nos cai das mãos. Que nos cai dos olhos. Que nos cai da posição do corpo. Todos os sinais. Os signos. Os símbolos. Que nos escorrem dos dedos entaramelados, como a boca depois da anestesia, no dentista. Tudo o que dizemos sem o dizer. Sem precisar de o dizer. Sem sequer nos lembrarmos de o dizer. Porque o dizemos sem palavras. No vazio perfeito do espaço que nos separa dos outros. Na representação gráfica do nosso mundo vectorial. Nos arquétipos que construímos com a pupila. Que contrai. Que dilata. Que é rítmica como o coração que bate cá dentro. ( Que todos sabem que bate. Cá dentro. Que todos sabem que. Cá dentro. Bate. Que todos. Cá dentro. Sabem. Que bate.)

As coisas que ouvimos dia-a-dia. Sem precisar de ouvir. As coisas que esquecemos. As coisas que nos passam ao lado. Como serpentinas coloridas lançadas por uma criança no carnaval. Os pedidos de ajuda sem voz. Os sofrimentos. As lágrimas a que nos esquivamos como de balas num filme (em câmara. lenta.). Que uns vertem sem se darem conta e que outros apanham com as mãos em concha, para impedir que expludam em contacto com o solo, num milagre (em câmara. lenta.) da Natureza humana. O resto são palavras. Palavras que queimam por dentro. Palavras que ardem debaixo da língua. Palavras que guardamos como ácido na boca. Até não aguentarmos mais. Até termos a nossa conta. E explodirmos corrosão em várias direcções. Ferindo mais do que minas terrestres. E palavras que guardamos como sementes. Que amadurecem em nós até caírem sem força dos pomares da alma. Que colhemos quando um dia de Sol. E a luz azul do céu. E um vento leve no rosto que diz: Avança. Palavras que saboreamos como a sombra de uma tarde perfeita de Verão.

As palavras. Que queimam por vezes. Para nos lembrar que a vida é um poema feito de pessoas.