sábado, dezembro 17, 2005

Cromos repetidos...

Os dias seguidos, iguais, repetidos como os cromos mais fáceis das cadernetas que tive. Os dias que ninguém pode trocar comigo no recreio da escola, atados com um elástico castanho guardado religiosamente para o efeito. Os dias com os quais não posso organizar campeonatos do mundo no tapete do meu quarto antigo, com formas onde imaginava um campo de futebol, e onze dias repetidos de cada lado, com balizas semelhantes e desempates por penalties quando o marcador não avançava.



Os dias seguidos, iguais, repetidos como os cromos mais fáceis das cadernetas que tive.
Só que inúteis como os cromos que colei em cadernetas.


[Julho / 2005 ]

Hoje não...

As suas análises estão boas. Não tem problema de rins, de fígado, de anemia. Também não tem infecção. É pena não se ver aqui a sua alma. Neste papel branco cheio de números e palavras incompreensíveis. Nada me mostra a dor que lhe vai na alma. Os medos. As frustrações. Não lhe posso avaliar. Aliviar. Os pesos que guarda por dentro. A anemia da alma. A infecção escondida numa desilusão.

Mais uma. Da vida. Não me olhe nos olhos como se o mundo acabasse amanhã e eu fosse a sua única esperança. Noutro dia talvez. Sei ouvir bem. Alivio as dores. Sou um bom relaxante. Hei-de mudar de nome para uma benzodiazepina. Mas hoje não. Doem-me os olhos. Só vejo o que me está à frente da cara.

E à frente da cara. Apenas o branco hipócrita do papel salpicado de números vazios. Dentro dos limites. Como dentro das quatro linhas a bola. E a minha mão que corre. E assinala. Sem alterações.

( Por dentro a dor sem fim. O choro todas as noites. A solidão. O desespero. A tendência para se magoar. A terrível descrença na vida. E a minha mão surda. Os meus olhos cegos. Sem alterações. Como uma sentença de morte.)




[Julho / 2005]