terça-feira, janeiro 29, 2008

Magoito

Era frio. Fim de um Setembro dorminhoco. A tarde caía sobre o mar reflectida nas falésias. No ar a promessa de uma noite estrelada. Café. Esplanada do café com vista para o fim de tarde. As tuas pernas cruzadas. O café meio vazio. O mil folhas meio comido. Qualquer coisa nos teus olhos dizia adeus, mas eu não sabia o que era. As rugas-bebés em torno dos teus lábios. Dos teus olhos. As tuas mãos esquecidas entre a mesa e o vazio. No ar uma gaivota igual às outras. E o guinchos iguais aos guinchos de outros dias. Mesmo assim a tua boca mais comprimida do que o normal. Uma certa inquietude nas pupilas.

E depois. A tua mão a afastar um pouco o cabelo dos olhos. Um leve inclinar de cabeça para trás. Um pestanejar rápido numa inspiração prolongada.


- Não dá!


( O arrastar da cadeira que não ouvi. O teu lugar vazio. O café meio cheio. O mil folhas meio intacto. A nossa conversa meio acabada.

E na boca o sal. Igual ao das ondas lá em baixo. )

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Cegueira

Ultimamente. A dificuldade grande. Anteriormente desconhecida em mim. De descobrir os lugares secretos nas coisas. De conseguir encontrar. Por detrás das fachadas de tudo. Os recantos mágicos que nos fazem sorrir. Que salpicam de vida. E de luz. Até os dias mais escuros.

Sabem do que falo. Daquela sensação de calor que nos invade por dentro. Quando vislumbramos o cantinho em que cada pessoa se esconde do mundo. O cantinho que tenta a todo o custo proteger da vista de estranhos. O calor que nos invade quando sentimos a pura beleza desse santuário. A alegria contida. Reservada. Profunda. Que sentimos por descobrir. No meio do que até então era alguém. Um ser humano. Como nós.

Ou apenas a felicidade menos metafórica de descobrir. Fisicamente. No meio dos locais sujos e degradados onde somos forçados a viver. Um recanto bonito. Apenas isso. Bonito. Sem mais adjectivos ou figuras de estilo. É difícil achar a beleza nos dias que correm. Pelo menos para mim tem-no sido ultimamente.

Mais nada. Apenas isto. A dificuldade que dantes não sentia. De descobrir os lugares secretos nas coisas.


( Às vezes não sei se são os olhos. Se estão gastos. Se estão habituados a todas as emoções, a todas as alegrias e a todas as tristezas que este mundo tem para oferecer. Outras vezes penso que o problema está noutro local. Uns dirão que no coração.Outros dirão que no cérebro. Ao certo só sei que já poucas coisas me fazem sorrir, como faziam. Até o espanto se me está a tornar, de dia para dia, um sentimento estranho. Às vezes penso nos peixes. E nos outros animais, mas principalmente nos peixes. Diz-se que têm uma memória de curtíssima duração. Que nem lhes permite ter a noção de que estão dentro de um aquário. Eu, se estivesse preso num local para toda a vida. Também gostaria de ter essa vantagem evolutiva... para não enlouquecer de vez.

...ei... percebem a ironia? ...

Este ano, no Carnaval, vou de peixe!)