sábado, outubro 04, 2008

Feitiçaria

Os dedos em cima do teclado, como num piano. Tensos. Prontos a disparar por sobre a maciez das teclas. O premir abafado e seco. Agradável. Quase aconchegante. Um ritmo que nos embala. Até parecer que os dedos se mexem sozinhos. Com vontade própria e sem que nós os possamos impedir.

Nesta altura as palvras parecem surgir do vazio em nosso redor. As mãos são redes de pesca. Desfocamos o olhar e são mesmo. Dançam mecanicamente. Dançam freneticamente. Dançam harmoniosamente. Como redes de pesca erguidas. Lançadas. Recolhidas. Na madrugada duma traineira ao luar. As palavras, peixes voláteis e milagrosos, caem das redes quando estas beijam o convés. E então são, por instantes, nossas.

Outras vezes é magia pura. As mãos agitam-se muito depressa. Tanto que os olhos nos mentem. E vemos os dedos multiplicarem-se num enorme rasto de luz. É nessa altura que. Da ponta dos dedos. Nos caem os pós de perlimpimpim. Então, deixamos de tocar o teclado. Levitamos por cima dele. E os pós de perlimpimpim rodopiam numa espiral que ergue as letras ao ar. Bem alto. Bem alto. E as deixa cair (Que assombro!)abraçadas, em forma de palavras.

Há ainda ocasiões em que as mãos são duas aranhas gigantes. Sim, é isso que elas são! Olhem para elas! Aranhas sagradas e sem descanso, tecendo uma teia de sonhos. Uma filigrana quase invisível de letras. De palavras em branco-pérola. Oiçam o seu roçagar. A sinfonia que advém da sua azáfama. Rendilhada e cheia de vida. Mística e libertadora.