sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Doem-me os dedos na escuridão da noite

Doem-me os dedos na escuridão da noite. Sofro-me dentro de mim como leão numa jaula. Às vezes apetece largar tudo e fugir. Fugir deste sofá onde me atolo agora como num pântano. Como os dos desenhos animados da nossa infância. Fugir deste quarto pela janela aberta. Fugir desta vila. Fugir desta freguesia. Deste concelho. Deste distrito. Desta província. Deste país. Deste continente. Deste planeta. Deste sistema solar. Desta galáxia. Deste Universo... Agora que o digo assim, tão absorventemente, sinto medo e sei que sou injusto. Talvez me apeteça fugir das barreiras que se criam dentro de mim com a poeira dos dias. Talvez só me apeteça esconder um pouco a cabeça entre as mãos e pensar sobre a vida. Talvez, afinal de contas, não me apeteça nada disso e seja só o sono a comandar o matraquear rítmico dos meus dedos em cima deste teclado. A escrever coisas que não penso. A imaginar coisas que não visualizo.

Ai... não sei... às vezes, na escuridão da noite doem-me os dedos como se chegassem a casa depois de uma longa viagem por paragens desconhecidas. Ou como se ainda procurassem o caminho para lá chegar...

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Há tanto tempo...

Há tanto tempo que não. O tempo passa. Horas atrás de minutos. Minutos atrás de segundos. Tanto tempo sem. Apeado como no entardecer de um dia por inventar. Fora de mim. Há já tantas noites que não. Tantas tardes gastas sem. Manhãs inteiras e nada. Escrever fugiu-me da ponta dos dedos. Escondeu-se a tinta nas canetas da escrivaninha. Longe de mim. Tanto tempo já sem rasgar o corpo. Sem me cortar. Sem jorrar de mim o sangue azul das palavras. Sem perguntas. Sem respostas interrogadoras. Sem dedos doridos do uso. Tanto tempo de mãos imaculadas. Sem raios de luz a substituir os dedos. Sem espada mascarada de caneta. Há já quantas semanas. Sem sonhos pintados no céu da vida. Sem loucuras por fazer no fundo dos dias. O relógio sem falhas. Sem pausas. E nós assim. Frágeis. Intemporais como grãos de areia. Eternos como a brisa que passa. A perder palavras por entre as mãos como em crianças. Na praia. A soltar banalidades ao vento. Onde dantes semeávamos esperança. As mãos cheias de nada. De um nada escuro e oco. Os dias sem. As noites sem. As tardes sem. Sem frases não-feitas. Sem conversas não-fúteis. Tanta saliva gasta a formar frases que ninguém quer ouvir. Tantos olhares gastos na poeira reluzente do dia-a-dia. Sobram-me tantas miragens no fim do dia. Tantas coisas por ver entre a multidão. Choro-me criança na solidão de mim. Sofro sem saber. Pelos dias. Pelas noites. Pelas tardes. Que passo sem. Que passei e passarei sem. Me verter do molde humano que tenho para o papel na forma de letras. Me desintegrar na alegria de uma estrofe. Me reencontrar nas entrelinhas da vida. Tantas horas voaram já sem. Que eu me escreva pelos recantos acolhedores e familiares de uma folha de papel. Havia tanto tempo que não.

13-14/02/2005