sexta-feira, janeiro 18, 2013

O dia chega ao fim

O dia chega ao fim. Dizem que sim. Que o dia chega ao fim. Minto. Eu sei que o dia chega ao fim. Eu sei. Eu já vi os dias morrerem na noite. E as noites renascerem, estremunhadas, na madrugada. Eu já vi dias chegarem ao fim. E sei que, agora, de uma dimensão puramente temporal, puramente objectiva, o dia chegou. De facto. Ao fim. Eu sei disso. Mas um dia nunca chega verdadeiramente ao fim enquanto estivermos presos nele. Como naquele filme do dia sempre igual. Sempre repetido. Sempre as mesmas horas no relógio da mesinha de cabeceira, pela manhã. Sempre as mesmas coisas a acontecerem nos mesmos momentos, com as mesmas pessoas, nos mesmos cenários, sob o mesmo céu. Como nesse filme, assim persistimos nós num dia que nos prende pelo pescoço e não nos deixa repousar.

Não é insónia. Não é ansiedade. Não é tristeza. Não é, sequer, capricho ou vocação noctívaga. É, tão só, o dia que não chega ao fim. O dia que continua preso em mim. E eu nele. Agarrado a mim como uma substância viscosa. Como um pega-monstros gigantesco e verde. O dia não se desprende de mim. Não me liberta (serei eu que não o liberto?). Não me deixa ir dormir (serei eu que não o deixo ir dormir?). O dia diz-me ao ouvido, de uma forma suave mas insistente: "Não podes ir. Ainda não acabei. Ainda não acabei. Eu sou melhor que isto. Eu tenho uma supresa para ti. Vais gostar. Espera. Não vás. Espera por mim. Quero dizer-te muita coisa. Hei-de ser um dia memorável. Inesquecível. Inolvidável. Memorável. E tudo o mais que termine em ável na tua memória."

O dia diz-me essas palavras. Ou outras semelhantes. Sempre com o mesmo intuito. Fazer-me crer que, na verdade, algo ainda está por acontecer. Mas é mentira. Hoje não acontece mais nada. Hoje acabou. O dia chegou ao fim. Eu é que permaneço neste limbo, neste limiar absurdo entre o ontem e o amanhã, que não chega a ser hoje. Na verdade, creio que sou eu que não deixo o dia ir dormir em paz. Repousar a cabeça na almofada. Cobrir-se com os lençóis e os cobertores. E ler um livro. Poucas páginas. Apenas as suficientes até o sono chegar. Até a noite deste dia chegar. E com ela, os sonhos de dias melhores. Mais cheios. Sem fim.