sábado, junho 03, 2006

Lua

Lá fora uma vez mais a lua cheia. Pendurada no azul quase diurno. De fim de tarde. Do céu.

Hoje sem nuvens. Quando a noite está assim necessito de uma clareira. De um lago talvez. De um jardim de uma casa de campo inglesa. Não sei bem. É-me difícil imaginar cenários para esta imagem. A placidez. Quase insolente. Da Lua no céu. A querer lembrar-me algo. Dizer-me algo que não percebo.

O cenário é irreal. Talvez só me lembre das lendas Arturianas ou do deserto africano. Um dia quero fazer um safari. Um dia quero ir ao Tibete. Um dia quero ir a uma aldeia remota do Japão profundo. Um dia quero molhar-me no Ganges. Um dia quero andar no Expresso do Oriente. Um dia quero. Tanta coisa que me magoa escrever.

Um dia vou ter uma caravana e correr a Europa toda. Toda. E vou ver os luares todos. Em cada lugar vou escrever um poema. Tirar uma fotografia. Beijar-te. Vou reter tanta coisa quanta puder. Fazer tudo. Visitar muita coisa. Percorrer muitos trilhos inexplorados. Se os houver e eu os encontrar.

O que move. O que motiva. O que impulsiona o ser humano é a capacidade louca de sonhar. De desejar. De imaginar. Se realizasse todos os sonhos. Se isso fosse possível. Morria logo a seguir. De tédio.


[Verão de 2005]

sexta-feira, junho 02, 2006

Puzzle de criança - 04/12/2000

Oh... repara, como se os teus braços fossem asas coladas ao meu corpo terreno...no abraço interminável e intemporal que nos damos apaixonados - só um, sempre o mesmo, contínuo e imutável -, cientes da nossa juventude e do nosso amor...
Percebes? Que toda a vida sonhei com este abraço e que é a minha grande aspiração, o meu sonho para o futuro? Da mesma forma que tu és e serás sempre a musa dos meus dias mais inspirados, o reflexo doirado nas águas tépidas do lago ao crepúsculo e a aragem fresca de uma manhã em liberdade...

Como os pássaros que voam nos campos, livres e cheios de amor por dar e por receber, assim passeamos nós nesta cidade, cheios de um egoísmo bom que nos faz ter a plena consciência de que nada mais interessa no mundo para lá do olhar que trocamos - e que é um beijo doce, longo e ardente - e das paisagens que construimos lado a lado. Sim... sabes tão bem quanto eu, que o mundo é algo mais, não é unívoco, tem várias faces, sabes tão bem quanto eu... e isso aprendemo-lo juntos no conforto dos dias... que cada um pode criar o seu próprio mundo... o mundo é um quadro, e há mil e uma maneiras de o colorir e de lhe dar forma, mesmo quando a realidade é a mesma para todos... e afnal, isto é arte. Como um poeta que escreve o que lhe vai na alma, como um escultor que dá vida à sua obra de acordo com o palpitar que lhe vai dentro do peito, assim é também necessário ser um artista para dar ao mundo a coloração certa e torná-lo nosso... isso aprendemo-lo juntos...

Os teus lábios nos meus, a aconchegarem a criança que chora dentro de mim quando não estás, como carícias boas de mãe, a prometerem lagos de amor e aves de sonho em cada contacto, cada afago, cada despertar... sei que te conheço desde sempre, que sempre te conheci mesmo quando ainda não era eu e as minhas moléculas eram ainda um nada sereno e silencioso... sempre te conheci... como se te encontrasse dia após dia, redescubro-te, no entanto, em cada olhar, em cada sorriso, em cada emoção... surpreendes-me a cada instante contemplando das montanhas da minha imaginação o nosso amor, como se por vezes o visse não só pelos meus olhos, mas por olhos estranhos... e sorrisse enternecido... sabes? tu e eu não existimos verdadeiramente estando separados, como duas partes de um puzzle antigo lançadas ao acaso numa caixa de infinitas peças montadas pela mão de uma criança sonhadora... talvez que fosse evidente a nossa complementaridade, mas não deixa de ser maravilhoso que a criança nos tenha visto e sorrido perante o nosso olhar cúmplice, juntando-nos neste abraço interminável e caloroso...



"Puzzle de criança" - 04/12/2000 [Bem do fundo da gaveta...]

segunda-feira, maio 29, 2006

...

Que frio...

domingo, maio 28, 2006

Bomba relógio

Tic...tac...tic...tac...tic...tac...tic...tac...

O ruído de prisão do relógio em torno de mim. Dentro de mim a claustrofobia cega das horas. Os momentos que correm todos na direcção de um destino igual aos demais. Na direcção de um futuro previsível, estereotipado. Socialmente aceite. A cada dia que passa a sensação clara de que está tudo a encaixar-se. De que está tudo a convergir. A normalizar. A sensação de um eléctrico a percorrer Lisboa. Aparentemente livre e belo e sem amarras. Mas preso aos carris subrepticiamente. Inapelavelmente.

Tic...tac...tic...tac...tic...tac... o tempo a escassear entre os dedos. O tempo a escassear para fugir deste trilho desbravado e sem perigos. O tempo a dizer-me ao ouvido que está tudo bem. Que está tudo bem e não poderia estar melhor. Que nada esteve tão bem como agora. O tempo a dar-me palmadinhas nas costas e a sorrir-me com ar complacente. E cúmplice. Mas dentro. DENTRO. Uma vozinha bem ao fundo a tentar gritar. A tentar gritar algo que não entendo sequer como um sussurro. Mas sim como um abraço terno.

Tic...tac...tic...tac... uma raiva surda que cresce por dentro da pele e ameaça rasgá-la (rasgar-me) a qualquer instante. Uma vontade de fugir. De fugir para muito longe. De fugir muito, muito, muito. De fugir de cabeça baixa e punhos cerrados. De fugir a direito. A direito através de muros e paredes. A direito através de tudo o que deva ser atravessado. Sem desvios e sem nunca parar. Sem nunca parar. Sem nunca parar. Até cessar o ruído infernal do toque a reunir.

Tic...tac...

Tic...

Outras vezes a sensação de que. Afinal. Está tudo bem. De que são tudo ilusões e quimeras. De que basta dormir que isto passa. Pela manhã o mundo parecerá belo, asséptico, seguro, confortável, perfeito. E todos me cumprimentarão na rua com palmadinhas nas costas e sorrisos...

AAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!

Um dia serei assim se me esquecer de ser eu. Serei mais um na massa informe do dia-a-dia. Sorrirei também com olhar complacente. E darei palmadinhas nas costas como quem sabe que está no local certo. No local onde tudo está bem e onde nada poderia estar melhor. Por enquanto não. Ainda tenho forças para cerrar os punhos, baixar a cabeça e fugir muito, muito, muito...





[ Por todo o texto uma música a ressoar na cabeça - Fitter Happier dos Radiohead... E um verso, "A pig. In a cage. On antibiotics." ]