sábado, junho 30, 2007

Espero por ti nas brumas da noite

Espero por ti nas brumas da noite.
As costas contra o frio áspero do muro.
O muro contra o frio rugoso das costas.
Acendo um cigarro para que o tempo passe mais depressa.
Para que o tempo me morra entre os dedos num clarão laranja.
Até a polpa dos dedos doer de calor.
Na mão esquerda um ramo de tulipas embrulhado em papel azul.
A perna esquerda esticada a roçar no papel azul crocante das tulipas.
O pé direito no muro e o joelho em riste.
O relógio de pulso que não avança.
Parado como numa hora de ponta infernal.
O vento parece soprar com mais força.
Como se quisesse varrer-me da rua.
Varrer a rua de mim.
O azul estaladiço do papel das tulipas contra a perna esquerda.
O tic-tac quase imperceptível - ensurdecedor - do relógio.
O clarão laranja entre os dedos.
O frio gélido - de morte - nas costas.
A dor do calor na polpa dos dedos a anunciar-me mais um fim.
Do cigarro.
Da espera e da esperança desta noite.
O pé direito de encontro ao muro impulsiona-me todo para fora dele.
Vai-se o frio do muro e fica o frio glacial das costas.
Arremesso o ramo de tulipas por cima do muro.
Para o quintal da casa abandonada onde um dia viveste.
O papel azul amarrotado a tomar o seu lugar por entre centenas de outros papéis amarrotados e crocantes.
De todas as cores.
Com tulipas murchas - ou por murchar - dentro.
Afasto-me cabisbaixo.
Amanhã virás.
E fugiremos então.
Como me prometeste.
De mãos dadas pelas brumas da noite.
Enquanto em tua casa todos dormem.
Eu esperarei por ti no muro.
Comprar-te-ei um ramo de flores sem que saibas.
Tulipas como tu gostas.
Embrulhadas em papel crocante para que sorrias.
Fugiremos então.
De encontro a uma alvorada prometida.
Sim.
Amanhã virás.
Agacho-me.
Encolho-me todo contra o muro abandonado.
Sem ti.
A cabeça entre as mãos.
E choro.
Choro.
Choro.



[Não fumo...]

Sintra a meio da tarde

Sintra a meio da tarde. Enquanto os turistas percorrem as estreitas vielas da vila velha. Um Sol quente e desejado de uma Primavera que ainda não o foi. Apenas uma leve brisa a enganar o calor. A soprar o lume dos corpos.

Os sons todos. Pessoas que falam ao longe e ao perto. Em português e em línguas díspares, numa amálgama de Babel. O esvoaçar rápido das pombas a levantarem voo, enquanto outras arrolam na distância. O sino da igreja a tocar duas vezes. O ruído de motores. De todo o tipo de automóveis e também de uma avioneta que agora passa. O trotar dos cascos dos cavalos a entoar no alcatrão, na calçada.

O tinir metálico dos postes embandeirados a dançarem com o vento. O estalar do teçido de que são feitas as bandeiras.

Travagens. Os passos das pessoas. Algum carro apita.



Assim. A meio da tarde. Sintra é uma canção de embalar.