quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Não sei

Não sei
Como se as ondas batessem sem som nos muros da praia
O tempo passa
Como comboio sem destino
Como nuvem fugaz e enganadora

Não sei se quero saber
O piar dos pássaros naquela árvore lembra-me o amanhã
Que volta sempre
Como pedaços de uma aguarela de criança
Inacabada junto à janela do sótão

Não sei se me lembro de ti
Da nudez dos teus ombros aconchegada a mim
Da preguiça dos teus braços enrolados nos meus
Como se o mundo acabasse fora de nós

E acabou.


15-06-2004

Fugiste...

Fugiste um dia de mim. Partiste enquanto, enquanto… Lá fora a noite escura, o céu azul-negro a sussurrar ao vento as palavras que eu não entendo. A cama agora despida, vazia, amadurecida no calor dos teus braços e agora nua no Inverno de ti.

Fugiste. Em direcção ao longe, ao além que desejavas em segredo, em cada silêncio, em cada olhar vago, em cada gesto de mão enfastiado…agora não, fala-me disso mais logo… agora não… agora ?… não… Na noite branca ficou a memória de ti, indelével como uma mancha de café, e na casa os ecos do teu riso abafado, comprometido. Lá fora as pegadas... serão pegadas?... perdem-se entre o portão e a curva do caminho. Não há estrelas no céu de nós. Estou de pé, a olhar pela janela o meu passado e o meu futuro. Estou no passado e foges-me para o futuro incerto…devia… sim, devia mesmo… ter-te impedido de fugir, prender-te a mim com laços… os laços que tenho agora a apertarem-se em meu redor… com laços que a neve não apagasse…como apaga já as tuas pegadas perdidas ao longe, no caminho…adivinho-as algures…

Fugiste no meu sono. Embrulhaste-te nos restos da noite e saíste porta fora, vestida de neve. Só eu sei o que me custou não me ver no reflexo dos teus olhos. Procurar-te em todo o lado, até debaixo da cama, até dentro de mim… se a neve caísse no meu coração… Antecipar-te fugida antes de o saber… Sabê-lo afinal, sabendo-o já antes… Ai… Fugiste hoje, ou terá sido ontem?... Anteontem? Há uma semana, ou um mês? Quando foi que no teu coração a neve e a noite me apagaram e me cobriram de portão, de curva do caminho e de caminho para lá da curva?... E eu embrulhado na noite a tiritar de frio de encontro às memórias do teu corpo, aos lugares do teu corpo, aos relevos do teu corpo.

Fugiste…


27-03-2004

Encostado ao fundo...

Ás vezes, quando cai a noite, quero esconder-me do mundo. Quero. O mundo não tem nada a ver com isso. Quero apenas esconder-me. Fugir de mim e dos meus medos. Dos espaços vazios em mim. Das promessas esquecidas entre o virar de uma página e o olhar fixo nos longes da parede. Quero fugir. Quero fugir para onde o mundo saiba a Roll ou a gelados com cara de bonecos do D’Artacão. Quero esconder-me onde os ruídos do mar me embalem, onde sossegue dentro de mim o agitar de ramos frenético. Quero. Fugir como quem salta. Ou como quem cai e se esquece de se erguer. Sim. Quero cair como quem se esquece de andar. Quero esquecer. Quero que os meus passos não percorram já os trilhos gastos deste reino. Quero fugir. Quero outros rumos e outros sonhos. Outras avenidas cobertas de folhas caducas. Outros olhares. Outros sítios.
Fugir. Como quem se esquece de se lembrar de não cair. Como quem escorrega por entre as mãos dos dias e fica depositado de encontro a um beco escuro de uma cidade qualquer.



18-05-2004