quinta-feira, março 23, 2006

Foi assim.

Há um ano. Talvez mais? Descobriram a avioneta destroçada de Saint-Exupéry. Não sei onde. Não me interessa. Desde que percebi que não foi numa estrela a brilhar no escuro do céu ou num planeta distante, tudo me pareceu sem sentido.

Prefiro pensá-lo a subir nos céus, a meio do voo, como o seu amigo. E um avião sem condutor a beijar o planeta Terra.




[2005]

Presente

Que pena. Não poder recortar o presente como uma notícia de jornal. E guardá-lo no bolso do casaco. Numa gaveta do quarto. Para reviver um pouco mais tarde.

Quando já não houver presente. Para desembrulhar.





[2005]

quarta-feira, março 22, 2006

Delírio...

Ah, ah, ah! A vida é uma sinfonia de flores que nos rebenta na cara quando menos se espera. E tudo o resto são pedaços de papel que alguém escreveu um dia e atirou do mais alto pehasco, ao vento.



[2005]

Não quero saber.

Não sei. Não quero saber. Tenho raiva de quem sabe. Era assim que dantes. (Dantes). O orgulho e a curiosidade magoada respondiam a qualquer pergunta. Que não se sabia. Que não se queria. Deixar responder.

Hoje. Não sei. Não quero saber. Tenho raiva de quem sabe. O que fazer com a vida. E traça um rumo. E tem planos. E faz contas. E apaga. E volta a escrever. Tenho raiva de quem tem objectivos. E força para lutar por eles. A força que me falta como uma peça de um puzzle que se perdeu no dia em que se comprou.

Há tanta gente com forças loucas. Obsessivas. Imparáveis. Fulgurantes. E eu nada. Aqui parado. Fechado neste quarto estanque ao mundo. Isolado como numa prisão. Na solitária. Sem chave. Nem forças para atravessar a porta. Que está. Sempre esteve. Escancarada.


[2006]

Amputados

Dantes eram os dias sem fim. Dantes era o Sol que não terminava. Que não se punha. Durante dias a fio, suspenso na claridade do teu olhar. Dantes era a beira-mar com cheiro a mar. A beira-mar com cheiro a maré-vazia. A areia a desaparecer por baixo de nós no espaço definido dos pés.

Dantes era a sombra de uma qualquer árvore quando queríamos sombras e árvores. Era o chilrear de pássaros a levar-nos de mão dada até ao local dos sonhos belos. Dantes eram veredas que as copas das árvores inventavam e os raios de Sol tentavam rasgar, deixando no ar pedaços de magia intangível.

Dantes era o teu braço no meu. O meu braço no teu. A minha mão na tua. A tua mão na minha. Até ao fim dos nossos passos. Até ao fim dos nossos passos que não há-de vir .


Mesmo que agora eu sem pernas. Gasta. Velha. Sentada numa cadeira. Gasta. Velha. E tu atrás de mim de mãos gastas. Velhas. A empurrares o meu corpo sentado e sem pernas. Gasto e velho. Pelas memórias doces dos dias de ontem. Tu. Gasto e velho. A fazeres nascer dos meus cotos abandonados. As pernas fortes e sãs que um dia. Para nunca me sentir gasta e velha. Me levaram até ti.




[Fevereiro 2006... A um casal que encontro por vezes... ele a passeá-la na cadeira de rodas... sempre o mesmo pecurso à mesma hora... ela calada e ausente... ele calado e ausente... ela sem pernas... ambos sem mostras de presente nos gestos... não sei se absortos em memórias do que um dia foi... olho para eles e vejo Amor.]