quinta-feira, abril 26, 2007

Fantasma...

A tua imagem seguiu-me o dia todo. Acordei de manhã com a cabeça pesada e os olhos semicerrados e, enquanto me habiuava à última escuridão da madrugada, vi-te na janela. Fantasma de rosto duro e sem expressão.

Mais tarde, no Metropolitano, em hora de ponta, viajaste perto de mim. Entre nós não haviam mais de sete corpos a balouçar com o andamento da carruagem. Estavas encaixada entre um homem vestido de negro (rosto mirando o chão, cabelo preto a rarear no topo da cabeça) e uma idosa de olhar surpreendentemente jovial.
Trazias um vestido azul, com a cor do céu quando acaba de nascer o dia. Esvoaçava em teu redor como searas perdidas na distância de uma paisagem que não sei situar. Estavas feliz. Sem a máscara fria e dura dos dias frios e duros da vida.

À noite. Quando reentrei em casa. Estavas sentada no sofá. Em frente da televisão apagada. O cabelo caía-te pelos ombros em tiras irregulares de castanho escuro. As mãos escondiam-te o rosto. Os joelhos estavam juntos. Os pés também. Toda tu eras uma enorme solidão parda.
Não te mexeste qundo fechei a porta com ímpeto. Não te mexeste quando me descalçei, nem quando pousei o casaco nas costas da cadeira. Não te mexeste quando fingi trautear uma canção que me ensinaste um dia.

Acabei por ir até à cozinha, para sentir o gelo da bebida a queimar na boca. No esófago. Até ao estômago.

Quando regressei à sala não estavas. No teu lugar apenas o fim de mais um dia. Arrastado e igual ao fim de tantos outros dias.

Sentei-me no sofá (ao teu lado, se lá estivesses). Liguei a televisão por instantes. Terminei a bebida. E depois ergui-me e, como um condenado à morte se dirige ao cadafalso, escoltei-me até ao quarto. Onde caí na cama com o peso do mundo. E fechei os olhos com muita força, para te ver outra vez.


[25/04/2007]