quarta-feira, novembro 16, 2005

Era Verão... [ O início de um conto, ou algo maior...não sei ]

Era Verão e éramos jovens. As aulas tinha acabado há pouco tempo e os dias de Junho arrastavam-se como se a eternidade coubesse toda dentro deles. Cada acordar era mais bonito que o anterior, agora que o som do giz no quadro de ardósia não nos aguardava numa sala fechada. Não tínhamos obrigações para lá da obrigação natural de sermos felizes. Atacávamos cada novo dia como se nunca tivéssemos estado vivos antes. Como se em cada cantar do galo se renovasse em nós a chama inapagável da curiosidade. Nessa altura quase todos os caminhos iam dar ao regato que passava no meio da aldeia. À hora certa, que todos sentiam sem a saberem de facto, cada um dos rapazes da aldeia tomava o caminho que levava à sombra das árvores grandes. À frescura das pedras molhadas. Ao regato onde todo o mundo se reinventava. Pelo trajecto, quase sempre, deixávamos árvores mais leves e terras mais despidas. Da batalha restavam apenas caroços arremessados às silvas, umas quantas nódoas na roupa e, por vezes, amoras esquecidas no fundo dos bolsos. Não havia nada que nos tirasse melhor a fome do que o caminho para o regato e isso via-se naquilo que deixávamos por comer, todas as manhãs, em casa. Melhor só mesmo o fluir das águas serenas do regato sobre os nossos pés. E largarmos a correr para a água depois da roupa atirada para um canto qualquer. Sem olhar para trás. Sem olhar para trás porque em frente estava o paraíso.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Escondo a cara...

Escondo a cara na distância entre o sim e o não. Nas mãos trago pedaços de ontem. Anteontem nos bolsos. O amanhã esconde-se no meu olhar. Não sei o que faria sem ti. Trago-te tatuada em mim. A areia de ontem brinca-me entre os dedos. O teu olhar cheira a pôr-do-Sol. Há luar na alvura do teu peito. Na boca trago a tua pele macia. Na minha teus dedos de cetim. O nosso silêncio amanhece no teu sorriso.



[ Escrito em 2002 ou 2003. Não sei. ]