quinta-feira, março 19, 2009

Não tenho história

Não tenho história - disse ele. Ela sorriu. O resto da frase ainda a rodopiar na sua mente. Abriu os olhos. À sua frente o azul do mar. Depois do fim da falésia e antes da linha do horizonte o transformar num outro azul. Abriu os braços. Minto. Esticou os braços, até o seu corpo ser tão largo como comprido. Até desenhar uma cruz na falésia. Duas cruzes. A silhueta e a sombra a darem mais dimensões ao silêncio no fim das palavras - Não tenho história.

Em redor o dia acontecia, como um pano à espera de cair sobre o mundo. O vento soprava de todos os lados. Parecia querer entrar por todos os poros da pele. Entranhar-se nela. Fundir-se nessa carne feita cruz à beira do abismo. Ela permanecia quieta. O sorriso ainda no rosto, como um farol por entre o nevoeiro. E pensava.

O vento dava-lhe nos braços a impressão de voar por sobre o azul do mar, em direcção ao pôr-do-sol que se adivinhava. Não tenho história - disse ele. Ela sorriu. E depois sussurrou-lhe baixinho:

Não faz mal. Eu conto-te a minha.