domingo, maio 28, 2006

Bomba relógio

Tic...tac...tic...tac...tic...tac...tic...tac...

O ruído de prisão do relógio em torno de mim. Dentro de mim a claustrofobia cega das horas. Os momentos que correm todos na direcção de um destino igual aos demais. Na direcção de um futuro previsível, estereotipado. Socialmente aceite. A cada dia que passa a sensação clara de que está tudo a encaixar-se. De que está tudo a convergir. A normalizar. A sensação de um eléctrico a percorrer Lisboa. Aparentemente livre e belo e sem amarras. Mas preso aos carris subrepticiamente. Inapelavelmente.

Tic...tac...tic...tac...tic...tac... o tempo a escassear entre os dedos. O tempo a escassear para fugir deste trilho desbravado e sem perigos. O tempo a dizer-me ao ouvido que está tudo bem. Que está tudo bem e não poderia estar melhor. Que nada esteve tão bem como agora. O tempo a dar-me palmadinhas nas costas e a sorrir-me com ar complacente. E cúmplice. Mas dentro. DENTRO. Uma vozinha bem ao fundo a tentar gritar. A tentar gritar algo que não entendo sequer como um sussurro. Mas sim como um abraço terno.

Tic...tac...tic...tac... uma raiva surda que cresce por dentro da pele e ameaça rasgá-la (rasgar-me) a qualquer instante. Uma vontade de fugir. De fugir para muito longe. De fugir muito, muito, muito. De fugir de cabeça baixa e punhos cerrados. De fugir a direito. A direito através de muros e paredes. A direito através de tudo o que deva ser atravessado. Sem desvios e sem nunca parar. Sem nunca parar. Sem nunca parar. Até cessar o ruído infernal do toque a reunir.

Tic...tac...

Tic...

Outras vezes a sensação de que. Afinal. Está tudo bem. De que são tudo ilusões e quimeras. De que basta dormir que isto passa. Pela manhã o mundo parecerá belo, asséptico, seguro, confortável, perfeito. E todos me cumprimentarão na rua com palmadinhas nas costas e sorrisos...

AAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!

Um dia serei assim se me esquecer de ser eu. Serei mais um na massa informe do dia-a-dia. Sorrirei também com olhar complacente. E darei palmadinhas nas costas como quem sabe que está no local certo. No local onde tudo está bem e onde nada poderia estar melhor. Por enquanto não. Ainda tenho forças para cerrar os punhos, baixar a cabeça e fugir muito, muito, muito...





[ Por todo o texto uma música a ressoar na cabeça - Fitter Happier dos Radiohead... E um verso, "A pig. In a cage. On antibiotics." ]

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