quarta-feira, março 22, 2006

Amputados

Dantes eram os dias sem fim. Dantes era o Sol que não terminava. Que não se punha. Durante dias a fio, suspenso na claridade do teu olhar. Dantes era a beira-mar com cheiro a mar. A beira-mar com cheiro a maré-vazia. A areia a desaparecer por baixo de nós no espaço definido dos pés.

Dantes era a sombra de uma qualquer árvore quando queríamos sombras e árvores. Era o chilrear de pássaros a levar-nos de mão dada até ao local dos sonhos belos. Dantes eram veredas que as copas das árvores inventavam e os raios de Sol tentavam rasgar, deixando no ar pedaços de magia intangível.

Dantes era o teu braço no meu. O meu braço no teu. A minha mão na tua. A tua mão na minha. Até ao fim dos nossos passos. Até ao fim dos nossos passos que não há-de vir .


Mesmo que agora eu sem pernas. Gasta. Velha. Sentada numa cadeira. Gasta. Velha. E tu atrás de mim de mãos gastas. Velhas. A empurrares o meu corpo sentado e sem pernas. Gasto e velho. Pelas memórias doces dos dias de ontem. Tu. Gasto e velho. A fazeres nascer dos meus cotos abandonados. As pernas fortes e sãs que um dia. Para nunca me sentir gasta e velha. Me levaram até ti.




[Fevereiro 2006... A um casal que encontro por vezes... ele a passeá-la na cadeira de rodas... sempre o mesmo pecurso à mesma hora... ela calada e ausente... ele calado e ausente... ela sem pernas... ambos sem mostras de presente nos gestos... não sei se absortos em memórias do que um dia foi... olho para eles e vejo Amor.]

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