terça-feira, janeiro 16, 2007

Acordar ao teu lado (num tempo de espuma e relógios parados)

Eram sete da manhã e a luz entrava nua e fria pelos espaços do estore mal corrido. No ar a fragrância da noite reinava ainda sobre a multidão de coisas por arrumar que habitava o quarto.
O teu corpo encostado. Ancorado. Ao meu, como navio no cais à espera de ondas por vir. A palma da minha mão aberta.

As rugas da pele a envelhecer. A secura dos dedos. As veias proeminentes. A lembrarem rios e desertos e serras.

Estendida sobre a tua coxa semi-desvendada por um capricho do lençol e da noite. A sensação quente e doce do toque da tua pele na ponta dos dedos. Como um embalar-te sem te ter nos braços.

A brancura do teu pescoço. Os minúsculos e inúmeros cabelos a emergirem da tua nuca com a beleza mágica duma orla de floresta. O cair dos teus cabelos sobre a almofada. Sobre o ombro de encontro à cama. Uma clave de sol a desenhar a tua orelha no amanhecer do dia.

O calor morno do teu corpo a dormir a chegar até à fronteira do meu. A atravessar a barreira física da pele e a encher-me todo de um dia de Sol.

A janela aberta a trazer até ao silêncio estático do quarto uma vida de sons matinais. Uma sinfonia sem partitura e interminável. Os sons a virem até nós aos saltos como crianças traquinas. Os sons a virem até nós. A mim do lado de cá do sono. Rejeitados por ti na inocência profunda do mesmo.

O passar da manhã a ser um rio suave e forte. Um rio suave e forte a desaguar no teu primeiro estremecimento. No fôlego de brisa que te faz levantar as pálpebras e ver o mundo como pela primeira vez.

E depois, o leve aflorar no teu rosto de um sorriso. De um sorriso sem Sol nem Lua. De um sorriso feito de amor e sem nada a temer.
A montanha parada e sagrada que é o teu corpo a agitar-se. E a virar-se para mim com a lentidão lânguida de um gato a espreguiçar-se ao Sol.

Os teus olhos.

Os teus olhos a serem um novo dia dentro do mundo. Um outro mundo dentro do mundo. Os teus olhos cor de amanhã. A fervilharem de dias por acontecer. De sonhos por concretizar. De manhãs por acordar.
Os teus olhos sem forma. Ou com a forma de duas gotas de orvalho em pleno ar. Antes do calor da terra as acolher nos braços abertos.
Os teus olhos como fogueiras em noites de São João. Como lareiras nas vésperas de Natal. Acolhedores e aconchegantes. Intemporais e concretos.

Os teus olhos a olharem-me na imensidão do tempo. Na solidão de nós. Sem receios e sem promessas.

Uma carícia no rosto. Na tua pele. A estimular os receptores sensoriais escondidos aos milhares debaixo dela. Estes a levarem mensagens aos neurónios sensoriais, à espinal medula, ao córtex. Milhares de pequeninas mensagens que eu supunha dizerem. Que eu sabia dizerem. Que te amava e que o mundo não seria mundo se eu não pudesse passar a mão, numa carícia, pelo teu rosto.

Depois vinha o magnetismo irresistível dos lábios. Os dois pólos contrários, que éramos nós. Que somos nós. A atrairem-se com forças por inventar. Por descobrir.

A força gravitacional é fraca. Nem sequer é força. Nem é nada. Comparada com a atracção magnética que conduz os meus lábios e os teus lábios ao encontro a meio caminho.

Numa suspensão do tempo. Num tempo de espuma e relógios parados. O momento sublime. Genial. Sinfónico. Em que os meus lábios repousam nos teus. Em que os teus se vêm aconchegar e encontrar nos meus.
Acontece tudo num espaço que é sempre novo. À nossa volta todas as paisagens dos dias que foram nossos. Dos dias que haviam de. Que hão-de. Ser nossos.



[02/03/2006... Quando o escrevi deixei-o incompleto. Mas passou tanto tempo que vai ficar assim.]

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Já cá não vinha ha bastante tempo e, pelo que vejo vou ter muito q ler para ficar em dia :) Fico mto satisfeita em ver que nao paraste. Beijinho. Até brve. Erótica

2:05 da manhã  
Blogger Sophia Cinemuerte disse...

Bebemos do mesmo espírito a escrever:)

9:25 da tarde  

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