sábado, dezembro 09, 2006

Sereia

Neste momento tudo me prende aqui. Mas no entanto vou. Tenho que ir. Apesar das pessoas que vão ficar. Das saudades grandes que eu e elas vamos ter de nós. Apesar das lágrimas que vão salgar a cara de vez em quando. E das memórias. Que umas vezes hão-de aquecer o coração e outras nos hão-de tornar lívidos de frio e solidão. Tenho que ir.

Alguma coisa dentro de mim me diz que tem de ser assim. Que este é o caminho. Que tudo irá correr bem. E mesmo que não corra pelo menos ficará a certeza insofismável - por oposição à incerteza mortificante (de não ter tentado) - de ter tentado. Talvez seja o mesmo ímpeto que há mais de 500 anos levou o meu povo a partir. Contra mães que choravam. Contra filhos que em vão rezavam. Contra noivas que ficavam por casar. Para que o mar fosse nosso.

Ou talvez seja apenas o apelo irresistível da distância. O canto longínquo de uma sereia interior. Contra o qual não me posso amarrar a um mastro ou tapar os ouvidos com cera - como Ulisses. Contra o qual poderia talvez cantar mais alto. Cantar mais docemente como Orfeu para salvar os Argonautas. Tornando a sereia em rocha precipitada no mar... Mas não sei se aguentaria o silêncio.

Cada um de nós traz uma canção da distância debaixo da pele. Uma melodia exótica que nos chama e nos tenta resgatar ao conforto estéril do quotidiano. Um destino qualquer para onde partir e - quem sabe? - por preencher.

É por isso que. Ainda que neste momento tudo me prenda aqui. Pessoas. Saudades. Lágrimas por vir. Memórias de sorrir e chorar. Eu tenho que me soltar. E ir. De encontro ao canto longínquo da sereia.

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