Ampulheta
Só hoje percebi que vais ser passado. Foi agora. Desde então só peguei na caneta e no bloco. Ambos novinhos a estrear. Percebes a ironia? Acabei de perceber que tu. Como quase tudo o resto. Vais acabar por ser passado. E digo-o de uma maneira cheia de futuro.
Devia tê-lo percebido há muito tempo atrás. Só os meus olhos, abertos de mais, me impediram de perceber os pormenores. E também os pormaiores. Porque não?
De certa forma chegaste até este presente. Até este presente revelador e mutacional. Embrulhada em roupagens de passado. Foi quase como se eu e tu fôssemos soldados. Como se tu tivesses caído moribunda há quilómetros atrás. Como se eu tivesse insistido. Como se não quisesse perceber o vazio a crescer no espaço branco do teu olhar. Na tua pupila. Como se não quisesse ver o sangue a verter-se do teu abdómen fendido (Como se não quisesse ver-te verter. Ver-te vertida). Como se, por tudo isso, te tivesse erguido com carinho no ar antes de te colocar o peso (Morto. O peso morto) sobre mim. Sobre os meus ombros cegos e surdos. Como se, depois disto ter feito, te tivesse carregado quilómetros e quilómetros (que são metros e metros somados a metros e metros na lonjura dos dias). Por desertos e montanhas. Por vales e mares. Convencido de que estavas. De que eras presente e serias futuro. Até hoje. Neste sofá perdido na multidão domingueira de um centro comercial.
Só hoje percebi que vais ser passado. E perder-te vai ser natural e desinteressante. Como um braço a pender dos ombros. Dois braços a escorregarem. E logo depois o silêncio do corpo todo na terra batida. Já sem dentros para verter.
[04-06-06. 20 horas. CascaisShopping. Tive caneta, papel e força. Estou muito feliz. Mesmo muito feliz com este texto. E isso é raríssimo.]
Devia tê-lo percebido há muito tempo atrás. Só os meus olhos, abertos de mais, me impediram de perceber os pormenores. E também os pormaiores. Porque não?
De certa forma chegaste até este presente. Até este presente revelador e mutacional. Embrulhada em roupagens de passado. Foi quase como se eu e tu fôssemos soldados. Como se tu tivesses caído moribunda há quilómetros atrás. Como se eu tivesse insistido. Como se não quisesse perceber o vazio a crescer no espaço branco do teu olhar. Na tua pupila. Como se não quisesse ver o sangue a verter-se do teu abdómen fendido (Como se não quisesse ver-te verter. Ver-te vertida). Como se, por tudo isso, te tivesse erguido com carinho no ar antes de te colocar o peso (Morto. O peso morto) sobre mim. Sobre os meus ombros cegos e surdos. Como se, depois disto ter feito, te tivesse carregado quilómetros e quilómetros (que são metros e metros somados a metros e metros na lonjura dos dias). Por desertos e montanhas. Por vales e mares. Convencido de que estavas. De que eras presente e serias futuro. Até hoje. Neste sofá perdido na multidão domingueira de um centro comercial.
Só hoje percebi que vais ser passado. E perder-te vai ser natural e desinteressante. Como um braço a pender dos ombros. Dois braços a escorregarem. E logo depois o silêncio do corpo todo na terra batida. Já sem dentros para verter.
[04-06-06. 20 horas. CascaisShopping. Tive caneta, papel e força. Estou muito feliz. Mesmo muito feliz com este texto. E isso é raríssimo.]
2 Comentários:
:) Gostei mto. Erotica
Obrigado :D
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