domingo, junho 04, 2006

Caleidoscópios

Houve tempos em que corria em mim um sangue diferente do de hoje. Tempos em que os meus olhos eram caleidoscópios e me mostravam o mundo como ele deve ser visto.

Nessas alturas havia dentro de mim o grito madrugador da poesia. Uma sensação em nada diferente de um delírio de febre. Como uma onda. Como uma inquietação imprevista e avassaladora. Rebentava em mim o desejo louco e inestancável (como um rio a derrubar uma barragem de betão). O desejo louco e inestancável de escrever. De escrever pedaços de corpo. De mergulhar de cabeça. E corpo todo. Nas águas purificantes da alma. E dela resgatar. Como se resgata alguém que está prestes a afogar-se. E dela resgatar as palavras ditadas pela mão cega da musa.

Tudo isso foi num tempo indeterminado. Que pode ter sido há anos ou apenas ontem. A partir de certa altura os dias são muito semelhantes a areias movediças. Que nos prendem pelas pernas e nos impedem de seguir viagem. De abrir horizontes. De ver o mundo.

O mundo que. Sem caleidoscópios. É triste como uma casa vazia.

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